Falem bem, falem mal, mas falem de mim!

O programa de debates Roda Viva vem conduzindo entrevistas com os pré-candidatos à presidência da República desde abril, quando iniciou o ciclo com Marina Silva. Nesta segunda (30), foi a vez do candidato mais polêmico e controverso da corrida eleitoral, angariando o maior número de visualizações da série. O curioso é que a maior parte da repercussão é gerada por vozes contrárias a do porta-voz do PSL.

Evasivo em suas respostas e mantendo posição constante de ataque à esquerda, que hipoteticamente domina o Brasil, o deputado carece de propostas concretas, refletindo seu histórico no Senado. Critica as cotas universitárias, mas defende privilégios na aposentadoria aos militares. Vive uma eterna contradição, ora defendendo, ora combatendo auxílio moradia, Eduardo Cunha e diminuição do poder do Estado.

Ficou lisonjeado com a comparação ao presidente estadunidense (embora Trump investindo no protecionismo econômico). As semelhanças entre B. e T. são evidentes: racistas, machistas e xenófobos. É de embasbacar assistir o militar negar xenofobia frente ao registro da sua declaração “os imigrantes são a escória do mundo”.

Enfim, ataques ao defensor de Ustra bombam por todos os espaços da internet. Somam-se as menções negativas às positivas e temos o primeiro lugar dos assuntos mais comentados mundialmente no Twitter. O candidato apela ao emocional do povo, que quer soluções imediatas para a problemática da segurança pública, e fecha olhos para explicações e soluções racionais. Prefere não pensar em economia, saúde, pesquisa e educação – tudo é secundário, deixe para os ministros, não precisamos discutir a respeito.

Essa lógica simplista é perigosa e não deveria ser subestimada ou reduzida a chacota e memes. A eleição que levou Trump ao poder em 2016 tinha atmosfera similar – uma caricatura jamais conseguiria vencer. Venceu. O norte-americano e equipe investiram pesado no mote das notícias falsas, que conquistou seu eleitorado e gerou um buzz enorme (tanto positivo quanto negativo). Falem bem ou falem mal, mas falem de mim (já dizia Melody).

Saindo da política, esse desespero por se manter sob os holofotes (não importando o motivo pelo qual se está ali) contaminou toda a sociedade. Não nos importamos mais em passar vergonha ou expor intimidades para ganhar atenção. Até transgredir a lei é válido. Inicialmente visto como uma catástrofe de relações públicas, o youtuber Júlio Cocielo pareceu ter chego ao fim da carreira após suas declarações racistas serem expostas. Empresas encerraram contratos e personalidades influentes declararam repúdio. Porém, hoje, um mês após o ocorrido, Júlio ainda conta com 17 milhões de inscritos em seu canal no Youtube e posou para foto com Neymar. Foi trending topic e tema de diversos vídeos (positivos e negativos). Eu mesma fiquei sabendo de toda vida do sujeito que antes era só um nome distante. Semana passada, outro youtuber, Everson Zoio, pagou por um vídeo de 2016 no qual relata estuprar sua ex-namorada, de maneira natural e descontraída. Foi veementemente atacado e mencionado nas redes. No fim de semana se retratou, desmentindo a história, e obteve 352 mil likes.

A internet é um potente meio para amplificar vozes, realizar denúncias e expor fatos. Mas é preocupante como o que é negativo tem ganho destaque intermitente nesse ambiente. Muito do lucro gerado na web vem de publicidade e cliques. Quantidade em detrimento de qualidade. Parece que é mais lucrativo ser politicamente incorreto do que andar na linha, não? Escândalos, sensacionalismos e tragédias historicamente conquistam mais atenção que conteúdo informativo e/ou positivo. Vivemos na era da informação, mas como a temos vivido? Pense sobre que tipo de conteúdo você tem dado audiência.

Encerrando, é importante destacar a “estratégia” adotada nos casos que citei nesse texto (de B. aos youtubers), após falados os absurdos: basta fazer uma declaração pedindo desculpas, dizendo que são novas pessoas e não pensavam direito “naquela época”. Todavia, para o bom observador fica claro desde a maneira de se expressar até a linguagem corporal dos “arrependidos” que o discurso é da boca pra fora, e em breve estarão repetindo atos similares. Quem sente na pele as injúrias proferidas tem memória longa, e quem está a salvo deve exercer memória empática. Uma reforma de caráter não ocorre do dia pra noite. Fiquemos atentos.

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